Criar uma Loja Virtual Grátis




Artigos de formação espiritual
Artigos de formação espiritual

Espiritualidade cristã

     

 

Escrito por Dirceu Mazotti

 

 

O que é o ser humano? Muitos estudiosos gastaram grande parte do seu tempo refletindo sobre essa questão; outros,  estão fazendo, ou ainda farão o mesmo.


Existem várias interpretações da natureza humana. Contudo, queremos agora destacar a visão religiosa. O homem, no pensamento judaico-cristão, é compreendido a partir da sua origem divina. Ele é um ser criado por Deus à sua imagem e semelhança. O fato de ser o homem uma criatura finita e ligada à terra explica a sua fraqueza;  o fato de ser ele, em parte, um ser espiritual - Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança”.  (Gn 1,26a) -  que transcende a natureza explica a sua singularidade. O homem é uma criatura de possibilidades quase ilimitadas tanto para o bem quanto para o mal.Sabemos que o homem, por sua natureza, é um ser religioso. “O desejo de Deus está inscrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus” afirma a Igreja Católica. (CIC 27).


Olhando para a história da humanidade, encontramos a mais diversas formas de manifestação da religiosidade. Porém, todas elas têm como fator comum, a  tentativa que cada um faz  de responder ao desejo de plenitude e felicidade. Isso ocorre porque “Deus não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar [...]”. (CIC 27).  Afirma o filósofo e teólogo Agostinho de Hipona (354-430), bispo católico, santo e doutor da Igreja: "Fizeste-nos para Ti e inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em Ti."

O homem sabe que ele pode dirigir-se a Deus, e isso ele o faz através da oração.  “[...] Ainda que o homem esqueça seu Criador ou se esconda longe de sua Face, ainda que corra atrás de seus ídolos ou acuse a divindade de tê-lo abandonado, o Deus vivo e verdadeiro chama incessantemente cada pessoa ao encontro misterioso da oração. Essa atitude de amor fiel vem sempre em primeiro lugar na oração. [...]” (CIC 2.567).

É através da oração, ou seja, desse diálogo estabelecido entre o  homem e Deus que acontece a comunhão. Essa relação pessoal do humano com Deus, recebe também o nome de espiritualidade. 

De maneira abrangente, Catão (2009:15), afirma que espiritualidade é o “conjunto das perspectivas e das atividades humanas voltadas para tudo que o ser humano busca [...]:  realidades ou valores que estão no horizonte da vida humana, sustentam-na e se manifestam no dia a dia”. 

Partindo desse conceito geral,  podemos encontrar o sentido fundamental da espiritualidade cristã e situá-la no contexto da revelação.  Segundo o pensamento judaico-cristão, a palavra espírito, da qual deriva espiritualidade, não designa espírito do homem, mas o Espírito de Deus, o Espírito Santo. É a partir dessa verdade que poderemos conceituar espiritualidade cristã.

Para Mondoni (2002:18-19),  a espiritualidade cristã consiste em:

•    Vida no Espírito Santo, ou a própria vida cristã (orientar-se para Deus, através de Cristo, no Espírito); 
•    As diferentes maneiras de experimentar e fomentar a vida em Cristo; 
•    Realidade vital que se edifica sobre o dom da graça;
•    Uma crescente comunhão com Deus, na qual a força do Espírito Santo conduz a uma progressiva espiritualização (compenetração do espírito de Cristo, tornando o cristão capaz de acolher e conhecer os segredos de Deus (1 Cor 2,9-14; 6,17: o Espírito que sonda as profundidades do mistério de Deus; Rm 8,15-16; Gl 4,6: espírito de filiação);
•    É uma realidade teologal.

Todo ser humano é chamado a uma vida espiritual. Percorrendo esse caminho compreenderemos melhor as palavras de Santo Agostinho: “Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! E eis que estavas dentro de mim e eu fora, e aí te procurava, e eu, sem beleza, precipitava-me nessas coisas belas que tu fizeste. Tu estavas comigo e eu não estava contigo. Retinham-me longe de ti aquelas coisas que não seriam, se em ti não fossem. Chamaste, e clamaste, e rompeste a minha surdez; brilhaste, cintilaste, e afastaste a minha cegueira; exalaste o teu perfume, e eu respirei e suspiro por ti; saboreei-te, e tenho fome e sede; tocaste-me, e inflamei-me no desejo da tua paz”. (Confissões, Livro X nº XXVII-38).

 

Dirceu Mazotti
Projeto de Evangelização e Catequese

 

Referências:

CATÃO, Francisco. Espiritualidade Cristã. São Paulo: Paulinas, 2009.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 9.ed. São Paulo: Loyola; Paulinas; Ave-Maria e Paulus. Petrópolis – RJ.: Vozes,  1.997. 
MONDONI, Danilo. Teologia da Espiritualidade Cristã. 2.ed. São Paulo: Loyola, 2002. 
SANTO AGOSTINHO. Confissões, IN-CM, Lisboa, 2001.

 

 

Espiritualidade cristã (2)

     

 

 

O artigo anterior, embora resumidamente, tratou de uma questão aparentemente  simples, mas que,  em determinado momento ou circunstâncias, procura-se uma resposta:  Por que o ser humano é um ser religioso? O que é espiritualidade? Por que  “espiritualidade cristã”? O tema é vasto e acompanha o ser humano em toda a sua experiência de vida, não se levando em conta o tempo e o espaço.  

Para aprofundar a análise do assunto, nada melhor do que contar com o auxílio que vem da Bíblia, uma vez que  “Para a Escritura a experiência espiritual não é uma experiência sobre Deus, mas de Deus: há um a priori absoluto e gratuito de Deus, uma irrupção e ação eficaz que parte da transcendência divina e penetra na trama histórica; Deus é o primeiro e o último de toda espiritualidade”.  (MONDONI, 2002, p. 22).

No início da Bíblia, encontra-se os cinco primeiros livros, também chamados de Pentateuco. O nome “Pentateuco” (do grego) significa os “cinco estojos” nos quais eram guardados os rolos de papiro ou de pergaminho contendo os  livros do Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Tal bloco tem sentido e valores incalculáveis para a história do povo de Israel. Os judeus o consideram como sendo a Torá, isto é, o livro que contém as normas, os preceitos, ou simplesmente, a “Lei” que rege e compõe a identidade cultural israelita. É, antes de tudo, a história da fé e da compreensão que Israel tem de si mesmo diante de Deus, o Javé Libertador. 

O Pentateuco apresenta os grandes temas da promessa, da eleição, do amor, da fidelidade e da esperança. Na caminhada em direção à terra prometida, Israel olha para seu passado e descobre Deus como alguém que o elege, protege e conduz, agindo em seu favor, mesmo quando desobedece.  É ali, no Pentateuco, que encontramos, segundo Cavalcante (2007, p. 27)  a  “revelação como auto-manifestação de Iahweh na história de Israel e do mundo. O ponto de partida de toda a fé e de toda a teologia”.  Para o Frei Gilberto Gorgulho, O.P. (2003, p. 33),  no Pentateuco  “A figura central é Iahweh: o Deus Vivo que liberta e dá vida. Ele começa a manifestar-se na vida dos Patriarcas e revela-se no ato de libertação, por ocasião do Êxodo”. 


A libertação da escravidão do Egito tornou-se a confissão central de Israel: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirou do Egito, da casa da escravidão” (Ex. 20,2). Já a Aliança demonstra, da parte de Deus, a poderosa intervenção que tirou os hebreus do Egito para fazer deles uma nação santa e da parte dos hebreus, o compromisso de seguir a regra de vida que é a Lei dada pelo Senhor:  “Vistes o que fiz aos egípcios, e como vos levei sobre asas de águia e  vos trouxe a mim. Agora, se realmente ouvirdes minha voz e guardardes a minha aliança, sereis para mim a porção escolhida entre todos os povos. Na realidade é minha toda a terra, mas vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa” (Ex. 19,4-6). Na verdade, o Pentateuco consegue ser a expressão de um povo que em determinados momentos da história vai sentindo, experimentando e acreditando no Deus da Vida que se revela concretamente na sua situação política, econômica,  social e cultural. 

Assim, a leitura do Pentateuco demonstra tanto a força como a fragilidade dos hebreus; suas qualidades e seus defeitos. Mas, muito mais do que isso, revela o domínio absoluto de Deus sobre todas as coisas. A Torá não é um simples conjunto de leis humanas; é um ensinamento para viver segundo a vontade de Deus; um chamamento à perfeição e à santidade: “Pois eu sou o Senhor que voz fez subir do Egito, para ser o vosso Deus. Sede pois santos, porque eu sou santo” (Lev. 11,45).  Desses cinco livros, quatro foram escritos a partir da experiência da caminhada do povo pelo deserto. Assim, o homem, segundo a espiritualidade do Pentateuco, é um permanente itinerante, um peregrino. Para onde? Para onde Deus quiser!  A experiência  retratada nesses livros faz lembrar, muitas vezes,  a caminhada do povo simples e sofredor de nossos dias. 

A reflexão sobre a espiritualidade no Pentateuco nos leva a descobrir a importância do Deus, que por amor se revelou à humanidade e afirmar,  tal como fez  Santo Agostinho:   "Vós sois tudo o que possuo, pois sois meu Deus. Sois não apenas o doador da minha herança, mas ela própria".

 

Dirceu Mazotti
Projeto de Evangelização e Catequese

 

Referências

CAVALCANTE, Ronaldo. Espiritualidade Cristã na História. 2. Ed. São Paulo: Paulinas, 2007.

GORGULHO, Gilberto (Frei). História da Libertação do Povo. In: ANDERSON, Ana Flora et al. A História da Palavra I. São Paulo: Paulinas, 2003.

MONDONI, Danilo. Teologia da Espiritualidade Cristã. 2.ed. São Paulo: Loyola, 2002.

 

Espiritualidade cristã (3)

     

 


A reflexão realizada no artigo anterior enfocou a espiritualidade no Pentateuco, levando-nos a descobrir a importância do Deus, que por amor se revelou à humanidade. Na verdade, o Pentateuco revela a expressão de um povo que em determinados momentos da história vai sentindo, experimentando e acreditando no Deus da Vida que se manifesta concretamente na sua situação política, econômica, social e cultural. Vimos que o homem, segundo a espiritualidade do Pentateuco, é um permanente itinerante, um peregrino. Continuando com o olhar sobre o Antigo Testamento, destacaremos agora,  a espiritualidade profética. 

O termo grego nabi, com o qual se designa o profeta,  refere-se a um homem que fala ou a um homem que foi chamado, isto é, a quem foi dirigida uma palavra.  O profeta não é o que fala de Deus, mas o que fala em nome de Deus. “Amós respondeu e disse a Amasias: Não sou um profeta, nem filho de profeta; eu sou um vaqueiro e um cultivador de sicômoros. Mas Iahweh tirou-me de junto do rebanho e Iahweh me disse: Vai, profetiza a meu povo, Israel”.  (Am. 7,14-15).  O profeta é antes de tudo o homem que escuta a Deus: “Em seguida ouvi a voz do Senhor que dizia: “Quem hei de enviar? Quem irá por nós?”, ao que respondi: “Eis-me aqui, envia-me a mim”. Ele me disse: “Vai e dize a este povo: [...]”. (Is 6,8-9ª.).  Foram místicos no sentido mais profundo da palavra. Seduzidos e envolvidos pelo mistério de Deus, interpretaram à luz desta experiência os acontecimentos da história. Como mensageiros,  revelaram as intenções divinas; denunciaram os pecados e as infidelidades do povo,  lançando um forte apelo à conversão. Os profetas não só denunciaram, como também apontaram os caminhos que deveriam  ser  percorridos por aqueles que zelavam pela  fidelidade ao Senhor.

 

Embora o conteúdo e a forma de suas pregações eram diversificados, a palavra dos profetas nunca deixou de ser palavra de Deus numa situação precisa da História. A mensagem profética pode apresentar muitas facetas: “Nesta ação multiforme, cada qual teve sua função própria, cada qual contribuiu com sua pedra para o edifício doutrinal. Suas contribuições, porém, se conjugam e se combinam segundo três linhas mestras, aquelas precisamente que distinguem a religião do Antigo Testamento: o monoteísmo, a moral e a espera da Salvação”. (BÍBLIA DE JERUSALEM, 1995:1334-1335). O profetismo desempenhou um papel importante no desenvolvimento religioso de Israel. Por meio deles, Deus forma seu povo na esperança da salvação e na expectativa de uma nova e eterna Aliança, destinada a todos os homens. Eles anunciaram uma redenção radical e uma salvação que incluía todas as nações: “Voltai-vos para mim e sereis salvos, todos os confins da terra, porque eu sou Deus e não há nenhum outro!” (Is. 45,22).

 

Analisando a importância do profetismo, Cavalcante (2007:53-55) afirma que “A profecia retifica e corrige o povo de Deus; recoloca-o diante da Palavra divina, sem a qual ele nada seria; chama-o à fé, exigindo que tome decisões imediatas que condicionarão seu futuro; enfim, confronta-o de modo urgente. [...].  O profeta não anuncia algumas verdades, mas dá testemunho da Verdade. Coloca Israel diante de alguém, e não diante de alguma coisa. Mostra ao povo eleito quem está à sua frente: o Deus presente, o Deus vivo vindo ao encontro dos seus e intervindo nos negócios do mundo.  Convictos de que Deus está ao mesmo tempo nos acontecimentos e acima deles, e de que o povo de Israel tem uma missão histórica, os profetas aí estão para lembrar esta certeza, e o fazem através da advertência, da exortação, da censura e da consolação”.

 

A profecia é ação da Palavra de Deus na história do seu povo; é a manifestação da fé no Deus da Revelação.  “Essa fé encarna-se numa crítica à sociedade e ao Estado idólatra. Essa crítica tem seu eixo na defesa do direito dos pobres e no convite para viver a vida do Povo de Deus, na esperança da vinda do seu Reino”. (GORGULHO, 2002:34). Em consonância com esse pensamento, veja, por exemplo, a palavra de  Iahweh dirigida a Zacarias: “Assim fala Iahweh dos Exércitos: Fazei um julgamento verdadeiro, praticai o amor e a misericórdia, cada um com seu nirmão. Não primais a viúva, o órfão, o estrangeiro e o pobre, não trameis o mal em vossos corações, um contra o outro” (Zc 7, 8-10).

 

Mas, palavra de ordem do profeta não é só uma denúncia, como também uma convocação para que o povo retorne à intimidade com Deus. Assim profetizou Jeremias:  “Eis que dias virão – oráculo de Iahweh – em que selarei com a casa de Israel (e com a casa de Judá) uma aliança nova. Não como a aliança que selei com seus pais, no dia em que os tomei pela mão para fazê-los sair da terra do Egito – minha aliança que eles mesmos romperam, embora eu fosse o seu Senhor, oráculo de Iahweh! Porque esta é a aliança que selarei com a casa de Israel depois desses dias, oráculo de Iahweh. Eu porei minha lei no seu seio e a escreverei em seu coração. Então eu serei seu Deus e eles serão meu povo. Eles não terão mais que instruir seu próximo ou seu irmão, dizendo: Conhecei a Iahweh! Porque todos me conhecerão, dos menores aos maiores, - oráculo de Iahweh – porque vou perdoar sua culpa e não me lembrarei mais de seu pecado”.  (Jr 31,31-34).

 

Do que foi exposto, é possível observar a espiritualidade que norteou a vida desses arautos. Ninguém dá o que não tem e, se o  profeta comunica uma mensagem de Deus, é porque antes recebeu do próprio Deus a mensagem proclamada. Para falar em nome de Deus manteve silêncio interior para escutá-lo; viveu na presença de Deus fazendo - O centro de sua vida. Vê a Deus em todas as coisas e é capaz de descobrir o plano divino na forma que se manifesta. A espiritualidade profética foi muito bem caracterizada por Mondoni (2002:23), quando ele afirma: “A espiritualidade profética une intimamente céu e terra, Deus e ser humano, fé e vida, mística e justiça social”.

 

Dirceu Mazotti
Projeto de Evangelização e Catequese

 

Referências
ANDERSON, A. Flora et al. A História da Palavra I. São Paulo: Paulinas, 2003.
BIBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 1995.
BIBLIA TRADUÇÃO ECUMÊNICA. São Paulo:  Loyola, 1994.
CAVALCANTE, Ronaldo. Espiritualidade cristã na história. São Paulo: Paulinas, 2007.
MONDONI, Danilo. Teologia da Espiritualidade Cristã. 2.ed. São Paulo: Loyola, 2002.